quarta-feira, 23 de abril de 2008

Ravel no metrô

Era sábado à tarde; um dia atípico onde tive que rumar para um lugar ainda desconhecido com intuito de conseguir mais um trabalho que ajude a tecer meu pé de meia.

Para não ser ludibriada por nenhum taxista, pego o metrô com destino a uma estação longínqua. Tudo seguia seu rumo habitual: o vagão cheio, o ambiente abafado, como na minha cidade natal, porém algo me surpreende: um homem com seus quase 30 anos entra no vagão com sua flauta. Já espantada com aquela cena, passo a observá-lo um pouco mais. De repente, ele assovia e dedilha uma melodia: Bolero de Ravel!

A pele passa a parecer um frango depenado de tantos arrepios de emoção, o queixo treme e os olhos enchem de lágrimas. As recordações pulsam no mesmo ritmo do coração acelerado, que remetem à mesma pessoa.

A primeira vez que ouvira aquela música fora ha mais de dez anos, quando no meio da turbulência familiar, a obra prima de Ravel era a única coisa que acalmava os ânimos domésticos e a última foi sobre a regência de John Neschling assistindo à Sinfônica de São Paulo ecoar cada nota pelo vasto parque Villa-Lobos, onde duas mãos dadas se apertavam de carinho e comoção e os olhos marejados consagravam a admiração por aquelas repetições tão bem harmonizadas.

Ao ouvir o moço não pude deixar de recordar as aulas de Phillipe Willemart e das memórias involuntárias que a Sonata de Venteuil provocavam em Marcel, personagem de Proust em sua Em Busca do Tempo Perdido, mas principalmente não pude deixar de lembrar da minha mãe.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom!
Não canso de dizer: Ainda bem que sentimos saudade pois o que ficou para trás também foi bom e só sentimos saudades de coisas boas.
Bjins,